sábado, 2 de julho de 2011

Naufrágio Antigo - Cecília Meireles

Eu tinha de postar alguma coisa que tivesse marcado a minha vida. Serei eternamente grata a toda a turma 305/2010 da Escola Rural de Osório pelos momentos maravilhosos que me proporcionaram. E, também a cada um dos meus colegas que estiveram comigo nos três anos mais maravilhosos da minha vida!



NAUFRÁFIO ANTIGO
À Margarete Kuhn

Inglesinha de olhos tênues
corpo e vestidos desfeitos
em águas solenes;

inglesinha do veleiro
com tranças de metro e meio
embaraçando os peixes

Medusas róseas nos dedos
Algas pela cabeça
azuis e verdes.

Desceu muitos degraus de seda
e atravessou muitas paredes
de vidro fresco.

Embalada em seus cabelos,
navegava frios reinos
de personagens lentos:

por paisagens de anêmonas
caudas negras,
nadadeiras trêmulas.

Mirava a lua seus dentes
seus olhos – de oceanos cheios,
seus lábios – hirtos de sede.

Muito tempo, muito tempo...
Medusas róseas nos dedos,
pelo peito, estrelas,
brancas e vermelhas

Em praias de triste areia
O vento, sem o veleiro,
chorava de pena.

Inglesinha de olhos tênues
ao longe suspensa
em líquidas teias!

Vestidos sem consistência:
medusas róseas no ventre
algas pelos joelhos,
azuis e verdes.

Landes ermas
vão sofrendo e morrendo
porque a perderam

Pelas águas transparentes,
suspiros que foram vê-la
ficam prisioneiros.

E as lágrimas que correram
extraviaram-se, na rede
da espuma crespa.

Inglesinha de olhos tênues
volteia, volteia
no mar, em silêncio.

Moluscos fosforescentes
cobiçam os arabescos
de suas orelhas.

Peixes de olhos densos
bebem suas veias
azuis e violeta

Embalada em seus cabelos
noutros mundos entra
sempre mais imensos.

Por entre anêmonas
nadadeiras trêmulas
súbitos espelhos.

A cor dos planetas
pinta seu rosto de cera
e banha seus pensamentos.

(Porque ela ainda pensa,
algas pelo ventre,
azuis e verdes
medusas pelos artelhos.

E ainda sente
Sente e pensa e vai serena
embalada em seus cabelos)

Inglesinha de olhos tênues
com tranças de metro e meio
cor de lua nascente.

Branca ampulheta
foi vertendo, vertendo
séculos inteiros.

Desmanchou-lhe o seio,
desfolhou-lhe os dedos
e as madeixas,

medusas, estrelas
róseas e vermelhas,
e algas verdes,

e a voz do vento
que na areia
sofrera

E a existência
e a queixa

de quem teve
pena,
antigamente.

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