Eu tinha de postar alguma coisa que tivesse marcado a minha vida. Serei eternamente grata a toda a turma 305/2010 da Escola Rural de Osório pelos momentos maravilhosos que me proporcionaram. E, também a cada um dos meus colegas que estiveram comigo nos três anos mais maravilhosos da minha vida!
NAUFRÁFIO ANTIGO
À Margarete Kuhn
Inglesinha de olhos tênues
corpo e vestidos desfeitos
em águas solenes;
inglesinha do veleiro
com tranças de metro e meio
embaraçando os peixes
Medusas róseas nos dedos
Algas pela cabeça
azuis e verdes.
Desceu muitos degraus de seda
e atravessou muitas paredes
de vidro fresco.
Embalada em seus cabelos,
navegava frios reinos
de personagens lentos:
por paisagens de anêmonas
caudas negras,
nadadeiras trêmulas.
Mirava a lua seus dentes
seus olhos – de oceanos cheios,
seus lábios – hirtos de sede.
Muito tempo, muito tempo...
Medusas róseas nos dedos,
pelo peito, estrelas,
brancas e vermelhas
Em praias de triste areia
O vento, sem o veleiro,
chorava de pena.
Inglesinha de olhos tênues
ao longe suspensa
em líquidas teias!
Vestidos sem consistência:
medusas róseas no ventre
algas pelos joelhos,
azuis e verdes.
Landes ermas
vão sofrendo e morrendo
porque a perderam
Pelas águas transparentes,
suspiros que foram vê-la
ficam prisioneiros.
E as lágrimas que correram
extraviaram-se, na rede
da espuma crespa.
Inglesinha de olhos tênues
volteia, volteia
no mar, em silêncio.
Moluscos fosforescentes
cobiçam os arabescos
de suas orelhas.
Peixes de olhos densos
bebem suas veias
azuis e violeta
Embalada em seus cabelos
noutros mundos entra
sempre mais imensos.
Por entre anêmonas
nadadeiras trêmulas
súbitos espelhos.
A cor dos planetas
pinta seu rosto de cera
e banha seus pensamentos.
(Porque ela ainda pensa,
algas pelo ventre,
azuis e verdes
medusas pelos artelhos.
E ainda sente
Sente e pensa e vai serena
embalada em seus cabelos)
Inglesinha de olhos tênues
com tranças de metro e meio
cor de lua nascente.
Branca ampulheta
foi vertendo, vertendo
séculos inteiros.
Desmanchou-lhe o seio,
desfolhou-lhe os dedos
e as madeixas,
medusas, estrelas
róseas e vermelhas,
e algas verdes,
e a voz do vento
que na areia
sofrera
E a existência
e a queixa
de quem teve
pena,
antigamente.